Ortodontia baseada em evidências: Você está praticando?

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“O conhecimento científico é um corpo de declarações com variados graus de certeza – Alguns incertos, alguns quase certos, mas nenhum com certeza absoluta.”

Richard Feunmann

Muito se fala hoje em dia sobre Ortodontia baseada em evidências. Talvez seja a nova moda, sendo tema de palestras e cursos, capítulos de livros e artigos em revistas de ortodontia. Mas afinal, o que é ortodontia baseada em evidências? Entenda por quê você deve e como você pode trazer isso para a sua vida profissional!

Ortodontia baseada em evidência quer dizer ler artigos científicos?

Na verdade não. É muito mais do que isso. É “o uso consciente, explícito e crítico da melhor evidência científica atual para se tomar decisões sobre o tratamento individual de pacientes”.

A prática baseada em evidências busca uma atuação clínica mais científica e empírica, com resultados mais seguros, consistentes e com melhor custo e eficiência. É frequente o uso de matemática e estatística para que se valide esses resultados (o que sinceramente acaba afastando quem não está familiarizado com estatística e afins, mas é realmente importante para entender o real uso na vida prática).

Isso pode ser feito em 5 passos:

  1. Transformar a informação que você precisa em uma pergunta (ex.: aparelho autoligável é mais rápido?).
  2. Buscar com eficiência a informação que pode te responder isso (bancos de dados, revistas, artigos).
  3. Avaliar a evidência disponível de maneira crítica (Quais desses artigos são realmente válidos e úteis?).
  4. Implementar os resultados dessa avaliação na sua prática (Continuo a usar esse aparelho? Quais as vantagens?).
  5. Avaliar a nossa performance (Meus resultados são melhores, piores ou iguais agora?).

Como aplicar Ortodontia baseada em evidências?

De acordo com o professor Proffit, a ortodontia não tem outro caminho a seguir além de evoluir para uma especialidade baseada em dados. O ortodontista não pode se manter em uma posição “privilegiada”, imune a necessidade de obter dados que apoiem nossas opções de tratamento.

Se você quer praticar ortodontia baseada em evidências, meus parabéns. Você está se unindo a um número cada vez maior de ortodontistas que estão compromissados com atualização constante. E não apenas atualização. Atualização baseada em estudos de maior qualidade possível.

É muito simples na verdade.

ortodontia baseada em evidências

Devemos considerar os três componentes acima se quisermos adotar a ortodontia baseada em evidências. Qualquer tratamento deve ser baseado em evidência clínica sólida, combinada a experiência clínica do ortodontista. Com isso, podemos apresentar as opções de tratamento para nossos pacientes, junto com qualquer evidência disponível. O paciente então poderá fazer a decisão sobre seu tratamento ortodôntico de maneira informada. Lembrando que são nossos pacientes que decidem sobre seu tratamento, nosso trabalho é apenas orientá-los e informá-los para auxiliar nessa decisão.

Fica então claro que a informação que fornecemos aos nossos pacientes é muito importante para o tratamento e devemos buscar sempre evidência de qualidade para isso. A partir do momento em que se têm evidência de qualidade, ela se sobrepõe à nossa experiência clínica. Nessa hora devemos mudar a maneira como praticamos ortodontia para estarmos alinhados com a evidência de qualidade.

Se não houver evidência, não há problema em falar para nossos pacientes que não há evidência de qualidade, mas nossa experiência clínica sugere que o tratamento deve ser levado de tal maneira. O que não podemos é ignorar a evidência disponível.

Também é errado não individualizar para seus pacientes a informação que você lê. Os pacientes no estudo que você leu podem ser comparados aos pacientes que você trata (idade, sexo, etnia, maloclusão, etc…)? Os métodos se adequam aos métodos que você utiliza no seu consultório? Seus pacientes não são apenas estatística e números, e saber pesar isso na hora de fazer um planejamento é importante.

De acordo com a autora Trisha Greenhalgh, que tem um livro muito interessante sobre o tema: “Apenas 10% da literatura têm algum valor científico real”. Uma parte da prática baseada em evidência científica é justamente saber filtrar o que tem e o que não tem valor. Esse assunto é extremamente importante e requer uma postagem própria para ele.

Ortodontia baseada em evidência
Pirâmide de evidência científica: artigos do topo são mais confiáveis. Mas isso não quer dizer que artigos da base não tenham valor.

O que não é certo é basearmos nossas afirmações em estudos falhos, comprometidos, com interesses financeiros ocultos. Ou pior ainda, em postagens de facebook, artigos em sites da internet, google, instagram ou blogs. Quando vou postar algo, eu pesquiso sobre o assunto, mas não quer dizer que você não deva fazer o mesmo para tirar suas próprias conclusões. Afinal, é a minha interpretação aqui. Você deve ter a sua própria e individualizá-la para sua prática e seus pacientes.

Qual a próxima pergunta?

A ortodontia baseada em evidências é um movimento novo e ainda tem muito potencial. Proffit em  um artigo interessante sobre esse tema sugeriu alguns assuntos em que nosso conhecimento é vago e que carecem de estudos com evidência sólida:

  • Expansão vs. extração em apinhamento Classe I
  • Tratamento da Classe II em uma ou duas fases
  • Camuflagem ortodôntica vs. correção cirúrgica de Classe II severa
  • Tratamento das maloclusões de Classe III

Todos esses temas podem ser transformados em perguntas e são relevantes. E acredito que temas como aceleração do tratamento ortodôntico, aparelhos autoligados e sua real eficiência, cirurgia de benefício antecipado e planejamento ortodôntico com ênfase em estética são assuntos atuais e que se beneficiariam de estudos com ênfase em dados concretos e estatística válida.

E você? Qual vai ser a sua próxima pergunta?


Referências

GREENHALGH, T. How to read a paper. BMJ books. 2001. 2 ed.

PROFFIT W.  The evolution of orthodontics to a data-based specialty. Ajodo. 2000 (117) 5: 545-547

ESTRELA C. Metodologia Científica: ensino e pesquisa em odontologia, 1 ed. Artes Médicas, São Paulo. 2001.