Hoje vamos falar sobre prescrição de brackets em ortodontia.
A Ortodontia vêm passando por mudanças desde seu surgimento. Aparelhos que historicamente foram feitos manualmente, de ligas de metais preciosos, passaram a ser feitos de ligas mais baratas e eficientes. Foram desenvolvidas bandas pré-fabricadas e mais tarde, com a colagem direta, procedimentos que levavam semanas foram reduzidos a simples sessões.
Uma das evoluções na ortodontia foi o surgimento de brackets pré-ajustados, diminuindo a necessidade do ortodontista realizar dobras (técnica straight-wire). Mas até onde podemos deixar nossos tratamentos por conta dos fabricantes de aparelhos ortodônticos?
Andrews e uma pequena revolução na ortodontia
O conceito de aparelhos pré-ajustados surgiu com Andrews 1, quando ele propôs que o controle das posições dos dentes, realizado através de dobras de primeira, segunda e terceira ordem fosse incorporado no design do próprio bracket ao invés do fio ortodôntico. Dessa maneira ele introduziu o conceito de prescrição de bracket à ortodontia.
Hoje temos inúmeras prescrições disponíveis no mercado de materiais de ortodontia. O aparelho de arco reto buscou agilizar e uniformizar o tratamento ortodôntico, “delegando” dobras como off-set, in-set, tips e torques aos brackets. Sem dúvida isso reduz o tempo de cadeira em consultórios, mas vários autores levantam dúvidas sobre a eficiência clínica real desses artifícios.
E até onde uma prescrição difere no seu resultado final da outra? Moesi et al2 e Jain et al3 avaliaram casos tratados com prescrição Roth e MBT e não encontraram diferenças clínicas significativas entre pacientes tratados com um ou outro tipo de prescrição.
O problema de aparelhos ortodônticos pré-ajustados
A concepção da prescrição do bracket.
Ao analisarmos um aparelho ortodôntico pré-ajustado, devemos levar em conta algumas considerações. Primeiro, a própria concepção da prescrição: como o autor chegou aquelas angulações e medidas? Andrews por exemplo, observou o que ele chamou de 6 chaves da oclusão ideal, uma extensão da classificação já preconizada por Angle para estabelecer o que seria por ele uma oclusão ótima. A partir das posições que ele considerou “ideais”, ele estabeleceu as medidas e angulações usadas em seu sistema de brackets4.
Vários autores com os anos estabeleceram diversas prescrições que consideravam “ideais”. Além de Andrews, temos prescrições como Roth, Ricketts, Capelozza, MBT, Benvenga, etc… Essas prescrições variam em ângulos, torques inclinações, algumas levam em conta o tipo facial, outras casos com extração, classe I, classe II, classe III, etc. Porém, pode-se dizer que não há um consenso quanto a posição dentária ideal na ortodontia, já que temos variados tipos de prescrições presentes no mercado.
Outro aspecto que devemos levar em consideração é a subjetividade dessas avaliações. Desde o início da ortodontia moderna, a avaliação estética esteve sujeita a interpretação do observador (a beleza está sempre no olho de quem vê). Inicialmente, Angle usou a estatua de Apollo Belvedere em 1900 como referência estética para seus estudos, mas alguns anos depois admitiu não se adequaria à qualquer indivíduo, ou seja, não era universal. As formulações de prescrição de brackets também estão sujeitas a percepção individual do autor, já que padrões estéticos são subjetivos, variando com a pessoa, cultura e etnia.
As particularidades de cada colagem na ortodontia
Para que haja a expressão dos torques e inclinações de cada prescrição, deve-se considerar que o bracket está perfeitamente posicionado na coroa dentária. Aí entram possibilidades de falha, como diferenças na altura da colagem, anatomia das coroas, excessos de resina na base do bracket, posicionamento no longo eixo do dente, deformações no bracket (sejam falhas de fabricação ou causadas por danos durante o tratamento), etc4.
No mesmo estudo, foi concluído que as variações anatômicas das coroas dentárias e erros de colagem do operador tornam impossíveis que as prescrições sejam seguidas fielmente. Também refutam a ideia de que poderíamos compensar essas variações usando brackets de diferentes prescrições, pois a base de cada prescrição é diferente na espessura da base e modo de expressar o torque. Os autores concluem que mesmo em dispositivos pré-ajustados, há a necessidade de ajustes manuais por parte do ortodontista.
O problema do torque
O torque é o calcanhar de Aquiles de qualquer sistema pré ajustado em ortodontia. Janson6 observou que a expressão de um torque só acontece quando existe uma diferença de slot para calibre de fio de no máximo 1,0″. Com isso, devemos levar em conta a angulação do bracket e o calibre do fio. A tabela abaixo dá uma ideia da eficiência de variados calibres com brackets com torques pré-ajustados.
Exemplificando: para se ter um torque efetivo de 7º em um incisivo superior, precisaríamos de um bracket com 11º e um fio 0,021×0,025. Com isso, haverá um grande aumento no atrito durante o tratamento.
Uma opção para manter o controle de torque em casos de extração e retração anterior por exemplo, seria usar a técnica bidimensional, com aparelhos de slot .022″ nos dentes posteriores e .018″ nos anteriores, mantendo dessa maneira o controle de torque anterior e reduzindo a fricção posterior.
Outro aspecto que devemos levar em consideração são distorções e deformações nos brackets6, nas ligaduras elásticas, além das variações anatômicas acima citadas, variáveis que podem afetar as angulações da prescrição do bracket.
Conclusão
Não podemos levar ao pé da letra as prescrições oferecidas por fabricantes. O ortodontista deve ser capaz de detectar, avaliar e corrigir as deficiências dos aparelhos ortodônticos em cada caso de maneira individual. Principalmente em casos de extrações e compensações dentárias, o controle de torque é importante, e muitas vezes não pode ser confiado apenas na prescrição do bracket, havendo a necessidade de compensação manual.
Além do mais, prescrições diferentes parecem não traduzir em resultados clínicos significativamente diferentes. Evidenciando o que pode ser um marketing exagerado de fabricantes e autores sobre produtos que acabam tendo resultados clínicos semelhantes.
Referências
- Andrews LF. Straight Wire: The Concept and Appliance. San Diego, Calif: LA Wells Co; 1989. ↩
- , , Roth versus MBT: does bracket prescription have an effect on the subjective outcome of pre-adjusted edgewise treatment?
- Jain M, Varghese J, Mascarenhas R, Mogra S, Shetty S, Dhakar N. Assessment of clinical outcomes of Roth and MBT bracket prescription using the American Board of Orthodontics Objective Grading System. Contemporary Clinical Dentistry. 2013;4(3):307-312. ↩
- Miethke R, Melsen B. Effect of variation in tooth morphology and bracket position on first and third order correction with preadjusted appliances. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics , Volume 116 , Issue 3 , 329 – 335 ↩
Cirurgião-dentista, especialista em ortodontia pela ABO-GO com 10 anos de experiência. Mestre e doutorando em ciências da saúde pela UFG. Professor nas universidades Fasam e Integra, membro da diretoria da Associação Brasileira de Ortodontia (ABOR-GO). Credenciado no sistema Invisalign e apaixonado por ensino, música e tecnologia. Artigos publicados neste blog, sites e revistas científicas.