O aparelho ortodôntico autoligado é uma modalidade de tratamento já bem estabelecida e conhecida. Devido ao intenso marketing em cima dele por parte de fabricantes de materiais ortodônticos e até mesmo por ortodontistas, criou-se uma certa aura em volta desse produto. Porém, a ciência e pesquisa alcançaram a publicidade e hoje em dia temos evidências científicas sólidas para responder: O que é fato e o que é ficção quando o assunto é aparelho ortodôntico auto-ligado?
Aparelho ortodôntico auto-ligado causa menos atrito?
Começando pela afirmação que lançou a moda do aparelho auto-ligado: “esses brackets exercem menos atrito”.
Em uma entrevista interessante dos doutores Burrows e Proffit1, onde eles citam o consenso do Conselho da Associação Americana de Ortodontia para Assuntos Científicos 2 de que o principal atrito que é de relevância para o movimento ortodôntico, não é o atrito de fricção entre fio e bráquete, mas sim o causado pelo que se chama de binding, um efeito que ocorre quando o dente se inclina na movimentação e as quinas do bráquete tocam o fio, causando assim, atrito. Em laboratório esse efeito pode não ocorrer, pois os modelos de teste laboratoriais podem não sofrer inclinação, mas na vida real é outra história.
Obviamente que esse dado não era de interesse das empresas fabricantes de bráquetes, que preferem mostrar esse gráfico onde a força de atrito é baixa, mas representa uma situação possível apenas em laboratório:
Mas os fabricantes preferiram ignorar o próximo gráfico, extraído do mesmo estudo, onde se observa atrito bem diferente quando se leva em conta a inclinação dos dentes e apresenta resultados bem similares nos fios pesados de aço (em azul), em que geralmente se fazem a maior partes das movimentações de um tratamento que vai além do “alinhar/nivelar”.
O site de uma das empresas de aparelhos autoligados possui vários artigos sobre o tema. O que foca na questão de atrito não mencionou binding, apesar de que a página dos produtos afirma que seus bráquetes autoligados possuem binding reduzido mas não apresentam evidência para isso.
Aparelho ortodôntico autoligado é mais rápido?
Aproveitando o tópico anterior, vamos ao ponto principal do tratamento com aparelho ortodôntico autoligado: O caso é finalizado muito mais rápido que com ortodontia convencional?
Para ajudar nessa resposta temos uma revisão sistemática do Nikolaos Pandis 3 que observou que o tratamento com aparelho ortodôntico autoligado não é mais rápido que o convencional.
Outra revisão sistemática4 buscou saber se o sistema autoligado seria superior nos seguintes tópicos:
- Tempo de cadeira
- Tempo total de tratamento
- Estabilidade
- Eficiência (avaliando índices oclusais e dimensão dos arcos).
- Quebras de bráquetes auto-ligados
Esse estudo também não encontrou evidência de que o tempo de tratamento é reduzido com bráquetes autoligados. A única coisa em que o sistema auto-ligado demonstrou ter diferença em relação ao bráquete convencional foi por causar menos proclinação de incisivos e aproximadamente menos 20 segundos de cadeira por atendimento.
Aparelho ortodôntico auto-ligado causa menos dor?
Digitando “aparelho ortodôntico autoligado dói menos” no google, já aparecem páginas lotadas de sites, blogs, opiniões e artigos afirmando que o aparelho ortodôntico auto-ligado causa menos dor.
Existem estudos que avaliaram se o tratamento usando bráquete auto-ligado causaria menos dor que o convencional5, 6. Esses estudos concluíram que o aparelho auto-ligado não demonstra diferença do sistema convencional nesse tópico.
Aparelho ortodôntico auto-ligado expressa melhor o torque dos fios?
Um ensaio clínico observou a mesma eficiência de braquetes autoligados e convencionais no controle de incisivos superiores em casos com e sem extração 7 e outro estudo pelos mesmos autores observou projeção de incisivos inferiores igual para aparelhos ortodônticos autoligados e convencionais 8.
O bráquete auto-ligado causa menos reabsorções radiculares?
Não achei uma revisão sistemática no assunto, mas um estudo de 2014 9 não conseguiu encontrar diferenças entre sistemas auto-ligados e convencionais na quantidade de reabsorção radicular causada durante o tratamento.
E tratamentos com bráquetes auto-ligados têm menos extrações?
O mesmo estudo citado anteriormente também avaliou a quantidade de extrações realizadas durante o tratamento com aparelhos auto-ligados e o sistema convencional. Os resultados foram que não houveram diferenças na quantidade de extrações necessárias para finalizar o caso com nenhum dos sistemas.
Conclusão
Talvez seja interessante que o paciente seja informado de todas as evidências disponíveis relacionadas ao assunto antes de decidir pelo custo-benefício que é mais vantajoso para ele.
Hoje em dia temos bastante estudos de qualidade para nos basearmos na tomada de decisões relacionadas a esse sistema. Talvez seja interessante que o paciente seja informado de todas as evidências disponíveis relacionadas ao assunto antes de decidir pelo custo-benefício que é mais vantajoso para ele.
Com certeza a experiência do clínico com uma técnica tem um peso grande na hora de propor um plano de tratamento, mas ela deve ser aliada a evidência científica disponível, outra parte importante na prática de Ortodontia Baseada em Evidências.
- Burrows, SJ. Proffit WR. Keim RG. On the efficacy of self-ligating brackets. J Clin Orthod. 2013 Jul;47(7):413-8. ↩
- Marshall, S.D.; Currier, G.F.; Hatch, N.E.; Huang, G.J.; Nah, H.D.; Owens, S.E.; Shroff, B.; Southard, T.E.; Suri, L.; and Turpin, D.L.: Ask us: Self-ligating bracket claims, Am. J. Orthod. 138:128-131, 2010 ↩
- Pandis N, Fleming P, Spineli LM, Salanti G. Initial orthodontic alignment effectiveness with self-ligating and conventional appliances: a network meta-analysis in practice. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2014 Apr;145(4 Suppl):S152-63. ↩
- Chen SS, Greenlee GM, Kim JE, Smith CL, Huang GJ. Systematic review of self-ligating brackets. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2010 Jun;137(6):726.e1-726.e18 ↩
- Scott P , Sherriff M , Dibiase AT and Cobourne MT. Perception of discomfort during initial orthodontic tooth alignment using a slef-ligating or conventional bracket system:a randomized clinical trial. European journal of orthodontics, 2008, 30(3), 227 ↩
- Rahman et al, A multicenter randomized controlled trial to compare a self-ligating bracket with a conventional bracket in a UK population: Part 2: Pain perception. Angle ortho, 2016, 86(1): 149-156 ↩
- Pandis N, Strigou S, Eliades T. Maxillary incisor torque with conventional and self-ligating brackets: a prospective clinical trial. Orthod Craniofac Res. 2006 Nov;9(4):193-8. ↩
- Pandis N1, Polychronopoulou A, Eliades T. Self-ligating vs conventional brackets in the treatment of mandibular crowding: a prospective clinical trial of treatment duration and dental effects. Ajodo. 2007 Aug;132(2):208-15. ↩
- Jacobs C1, Gebhardt PF, Jacobs V, Hechtner M, Meila D, Wehrbein H. Root resorption, treatment time and extraction rate during orthodontic treatment with self-ligating and conventional brackets.Head Face Med. 2014 Jan 23;10:2. ↩
Cirurgião-dentista, especialista em ortodontia pela ABO-GO com 10 anos de experiência. Mestre e doutorando em ciências da saúde pela UFG. Professor nas universidades Fasam e Integra, membro da diretoria da Associação Brasileira de Ortodontia (ABOR-GO). Credenciado no sistema Invisalign e apaixonado por ensino, música e tecnologia. Artigos publicados neste blog, sites e revistas científicas.