Já se foi a época em que a ortodontia se limitava apenas a dentes. Hoje em dia, com uma valorização cada vez maior da estética dentária e facial, o ortodontista precisa de entender conceitos cosméticos que vão além do sorriso. Hoje vamos falar do arco do cupido e um pouco sobre os lábios.
O Arco do Cupido
O Arco do Cupido é o nome que se dá para a estrutura da anatomia labial localizada no centro do lábio superior. É uma depressão em forma de V delimitada abaixo pelo vermelhão do lábio e acima pelo filtro e suas colunas. Devido a sua forma e por algum anatomista inspirado, foi batizado como a ferramenta de trabalho do deus do amor.
Para o ortodontista, é parte da “moldura” do sorriso. Sua forma dá um aspecto de jovialidade aos lábios; durante o envelhecimento o arco do cupido perde sua definição, à medida que os lábios superiores perdem sua tonicidade e se alongam, cobrindo os incisivos superiores. Em crianças, o filtro é na maioria das vezes um pouco menor (milímetros) que a altura das comissuras, com o envelhecimento, essa medida pode ser de 1-3mm.
Quando o filtro dos lábios está curto (podendo ser avaliados clinicamente ou pela análise cefalométrica de Ricketts), damos a essa condição o nome de arco invertido. Existe uma opção cirúrgica para o tratamento dessa condição, chamada queiloplastia em V-Y. Também é observada essa alteração em pacientes com deficiência maxilar ou envelhecidos.
Estética dos lábios na ortodontia: pensando a frente.
Os lábios no geral, são partes fundamentais da estética do sorriso. Os cânones clássicos dizem que os lábios superiores têm altura de 1/3 a 1/4 da altura do lábio inferior. Mais importante do que medidas lineares na estética, são medidas as proporcionais. A altura do vermelhão dos lábios também é importante na estética dos lábios: a proporção do lábio superior para o inferior é de 3:4 1.
Lábios excessivamente finos, assim como excessivamente volumosos podem ser anti-estéticos. O ortodontista deve ter em mente a tendência dos lábios de perderem tonicidade e espessura, ganhando comprimento. Com isso, há menos exposição dos incisivos superiores e mais exposição dos incisivos inferiores2.
Isso é extremamente importante no planejamento. Incisivos são peça chave do sorriso e de uma aparência jovem. A intrusão de incisivos superiores é raramente desejada em pacientes mais novos, pois sabemos que em alguns anos os lábios tendem a se alongar e recobrir esses incisivos.
Esse cuidado também é importante em casos de extração onde há muita retração de incisivos e/ou pouco controle de torque, com inclinação: os incisivos são o apoio dos lábios, uma retração exagerada irá prejudicar o perfil do paciente deixando-o excessivamente reto. A tendência é que isso piore com a perda de espessura labial e há um comprometimento da estética dos lábios e da face inferior, resultando em um aspecto envelhecido.
Pode ser útil o uso da Linha E de Rickets, que vai da ponta do nariz até o pogônio mole. Os lábios devem estar levemente atrás da linha E aos 10 anos de idade e se afastam progressivamente durante o crescimento. Se já há muita retrusão aos 10 anos, é provável que o perfil facial inferior seja prejudicado com a idade.
Os lábios superiores devem ser de tal tamanho que exibem completamente as coroas dos incisivos superiores no sorriso. Cobrindo 2/3 destas em repouso, e exibindo cerca de 2-3mm da porção coronária. Os lábios podem estar com um espaço de 2-3mm de separação interlabial no repouso 3.
Não veja só a cefalometria
Quando Angle começou a ortodontia, baseou-se na estátua de Apollo de Belvedere como o perfil ideal. Contratou artistas para ensinarem estética e proporções na primeira escola de ortodontia. E nunca utilizou uma radiografia cefalométrica para fazer um diagnóstico (ela só foi inventada um ano após sua morte). O próprio Brodie, idealizador da cefalometria escreveu: “A cefalometria não foi criada para ser o único meio de diagnóstico em ortodontia, mas como uma ferramenta da pesquisa de crescimento”4.
O tratamento ortodôntico não se resume só a uma radiografia lateral em duas dimensões. O paciente provavelmente nunca se viu e nem vai ver de perfil. Cada vez mais análises estéticas faciais se fazem necessárias.
Além do mais, não tratamos o paciente somente em duas dimensões, nem em três. Tratamos nossos pacientes em quatro dimensões (a quarta sendo o tempo), pois devemos prever como um paciente vai envelhecer para poder assegurar que os resultados obtidos hoje ainda sejam reais daqui a 20 anos, inclusive quanto à estética dos lábios.
- Naini F. Estética Facial: Conceitos e diagnósticos clínicos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014: p. 273-274 ↩
- Mamandras A. Linear changes of the maxillary and mandibular lips. Ajodo 1988;94:405-10 ↩
- Naini F. Estética Facial: Conceitos e diagnósticos clínicos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014: p. 371-373 ↩
- Sarver D, Ackerman MB. Dynamic smile visualization and quantification: part 1. Evolution of concept and dynamic smile capture methods. Ajodo, 2003; 124:4-12 ↩
Cirurgião-dentista, especialista em ortodontia pela ABO-GO com 10 anos de experiência. Mestre e doutorando em ciências da saúde pela UFG. Professor nas universidades Fasam e Integra, membro da diretoria da Associação Brasileira de Ortodontia (ABOR-GO). Credenciado no sistema Invisalign e apaixonado por ensino, música e tecnologia. Artigos publicados neste blog, sites e revistas científicas.