Planejamento estético na ortodontia
Kokich, foi editor no American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics de 2011 até 2013, quando faleceu. Além de escrever editoriais muito interessantes, foi um grande pesquisador na integração da estética com a ortodontia. Esse texto é um resumo de um excelente capítulo que ele publicou no livro Terapias Atuais em Ortodontia.
Acrescentei também algumas informações de outros autores que desenvolvem pesquisas na área como Sarver, Câmara e Naini. Todos eles têm excelente material que compensa a leitura!
11 passos para o planejamento estético na ortodontia
1: posição do incisivo central
O incisivo central é a peça chave do planejamento estético então o primeiro passo, logicamente, começa com ele. No exame clínico devemos medir com uma sonda milimetrada a exposição do incisivo superior com os lábios em repouso. A quantidade de exposição depende da idade do paciente, diminuindo a medida que a última aumenta.
A exposição insuficiente pede um alongamento dos incisivos, com cirurgia ortognática, extrusão ortodôntica ou procedimentos restauradores. O inverso deve ser feito em incisivos com exposição excessiva. Para Sarver, exposição de menos de 75% das coroas dos incisivos centrais é indesejável.
A exposição dos incisivos de acordo com Naini é:
2: Linha média superior
Leigos não reparam em desvios até 4mm da linha média com a face, mas reparam se o longo eixo dos dentes não estiver paralelo ao da face. Então, a inclinação médiolateral destes dentes é importante no planejamento estético ortodôntico.
Por outro lado, desvios grandes de linha média são frequentemente a queixa principal de alguns pacientes.
Não restrinja a avaliação da linha média apenas aos incisivos. Observe a simetria de todos os dentes anteriores. Caninos girados podem ter mais ou menos exposição que seu dente contralateral. A altura da incisal de laterais e centrais é outro fator de peso na avaliação frontal.
3: Inclinação do incisivo superior
Avaliada pela cefalometria ou clinicamente pela superfície vestibular dos incisivos superiores em relação ao plano oclusal maxilar posterior. Incisivos muito retroinclinados tendem a parecer mais longos e incisivos excessivamente ânteroinclinados podem parecer mais curtos e projetados.
4: Plano oclusal posterior e a borda incisal.
A borda pode estar nivelada, apical ou coronal ao plano oclusal posterior. A quantidade de desgaste dentário atualmente, as proporções faciais do paciente e a posição do osso alveolar vão ajudar a determinar se o nivelamento vai ser feito por meio de estética, ortodontia ou cirurgia ortognática.
5: Relação dos laterais e caninos com o incisivo central
Com o incisivo central corretamente posicionado, o planejamento estético agora é focado nos outros dentes. Pode ser interessante seguir as linhas do sorriso. Se houver assimetria labial, devemos focar em outra referência, como o plano bipupilar.
O cant de plano oclusal é muitas vezes percebido pelos pacientes e tem impacto negativo sobre a estética do sorriso. O diagnóstico diferencial é fundamental nessa avaliação, pois sua origem pode ser dentária, gengival, esquelética ou apenas aparente devido a uma assimetria da função dos músculos elevadores dos lábios superiores.
A construção do “arco do sorriso” é feita principalmente com o correto posicionamento dos bráquetes no sentido vertical dos incisivos e caninos. Na avaliação do arco do sorriso, atente que a posição da cabeça do paciente pode prejudicar a visualização do mesmo.
Um autor que tem uma linha de pesquisa muito interessante nessa área é o Dr. Carlos Alexandre Câmara. Confira um artigo dele sobre o tema aqui.
6: Determinar os níveis gengivais
A determinação dos níveis gengivais é importante para o planejamento estético em ortodontia. A chave é determinar o tamanho de coroa desejado e ao fim do tratamento optar pela correção cirúrgica se necessário. O final do tratamento é o momento ideal, pois a gengiva pode se mover em sentido apical ou incisal com a extrusão ou intrusão dentária, por esse motivo Kokich também defende que não devemos usar as gengivas como referência para o posicionamento das bordas incisais.
Uma sondagem com sonda periodontal pode ser interessante para avaliar a possibilidade de aumento de coroa futuramente. Os níveis de gengiva devem ser determinados pela razão da largura e altura da coroa, a quantidade desejada de exposição gengival e a simetria entre os lados do arco maxilar.
Coroas curtas podem ser corrigidas com restaurações, cirurgia periodontal ou extrusão ortodôntica. Coroas alongadas podem necessitar de desgastes ou intrusão
Sarver não recomenda o tratamento agressivo do sorriso gengival em pacientes jovens, pois a idade vai diminuir essa característica naturalmente. É melhor algum sorriso gengival do que dentes que não aparecem.
7: Avaliar as papilas gengivais
De nada adianta o sorriso que você criar ser uma obra de arte sem uma moldura que fique a altura. Daí a importância da estética gengival para a ortodontia.
A razão da altura da papila para o contato interdental é importante. A literatura recomenda 50% de papila e 50% de contato interdental (alguns autores recomendam que essa proporção seja 40/60). O contato dentário curto pode indicar abrasão dentária e o contato longo pode indicar erupção passiva ou ativa alterada.
Papilas assimétricas ou sem forma, hiperplasia gengival ou recessões e espaços negros entre os dentes podem prejudicar a estética. O trabalho em conjunto com a periodontia é essencial para uma finalização estética agradável.
8: Determinar procedimentos restauradores
Nesse passo devemos avaliar se o tratamento ortodôntico ainda é a melhor opção estética para o paciente. Existe a possibilidade de correção por meio de procedimentos restauradores?
Também é o momento de levar em conta solicitações por parte do paciente sobre a forma e cor dos dentes anteriores.
Incisivos laterais são frequentemente afetados por alterações dimensionais, mas por serem os centrais a referência, a queixa do paciente é geralmente “dentes muito grandes”.
A dimensão dos dentes deve levar em conta fatores como:
- O sexo do paciente (mulheres tendem a ter dentes um pouco mais alongados).
- O tipo facial (Pacientes braqui ou com face larga pedem dentes mais largos, por exemplo).
- Forma do dente (dentes quadrados são anti-estéticos).
- Discrepâncias de tamanho (avaliadas pela análise de Bolton).
- Desgastes incisais (podem camuflar o tamanho real da coroa).
- Hiperplasia gengival ou erupção passiva alterada.
- A maloclusão do paciente (muitas vezes um fator limitante em casos de compensação esquelética).
De acordo com Naini, as proporções de incisivos podem ser resumidas na figura abaixo:
9: Relação incisivos inferiores com a face
Após a finalização do planejamento estético dos dentes anteriores superiores, devemos avaliar a relação dos incisivos inferiores e da face. Exposição excessiva pode requerer desgaste dentário ou intrusão ortodôntica ao passo que pouca visibilidade requer extrusão ou procedimentos restauradores nesses dentes.
Se o seu paciente acha que os incisivos inferiores não importam, pois não aparecem no sorriso, peça para ele falar na frente de um espelho. Aí sim ele vai observar como os incisivos inferiores aparecem.
10: Relação dos incisivos com o plano oclusal posterior
O nivelamento da curva de Spee, que pode ser feito através de ortodontia, ajuste oclusal ou procedimentos restauradores.
Nessa etapa, atentar para “planos oclusais duplos”, que podem ser anti-estéticos em pacientes com maior exposição de dentes posteriores no sorriso.
Também devemos ter em mente que arcos posteriores atrésicos, com pré-molares e molares escondidos e aumento do corredor bucal são anti-estéticos. Mas não devemos esquecer que a expansão deve ser feita com critérios (algumas vezes de maneira cirúrgica) para não haver danos periodontais ou recidiva. A inclinação vestibular inicial dos dentes posteriores vai ditar como é feita essa expansão, especialmente em pacientes adultos.
Ao mesmo tempo que um corredor bucal excessivo é indesejável, arcos muito expandidos sem corredores bucais dão uma aparência artificial. A sobreexpansão também pode achatar o arco do sorriso.
11: Inclinação vestíbulo lingual dos incisivos inferiores.
Esta é parcialmente determinada pela posição prevista dos incisivos superiores e deve levar em conta aspectos funcionais e estruturais e a maloclusão do paciente.
Agora, continue seu planejamento
Colocar a estética em primeiro lugar não quer dizer que você deve se esquecer das questões funcionais, biológicas e principalmente a queixa principal do paciente. São esses aspectos que estão relacionados à estabilidade do caso, ao conforto do paciente. Sarver defende que podemos até certo ponto sobrepor as necessidade estéticas às necessidades funcionais. Seu paciente pode não se importar com um pouco de overjet ou se a relação molar não estiver em uma Classe I perfeita. Mas ele com certeza vai querer
O planejamento estético é, obviamente, muito mais complexo e global do que apenas 11 passos. Devem ser levados em conta aspectos faciais, cefalométricos e cosméticos. Alguns casos podem requerer procedimentos diagnósticos mais aprofundados como DSD, DRED ou enceramento diagnóstico. Mas uma coisa é certa: A ortodontia está caminhando cada vez mais para uma especialidade com prioridades estéticas e há muito tempo essa é a prioridade do nosso paciente.
Para você que se interessa pelo assunto, sugiro ler os artigos do Professor Carlos Alexandre Câmara, disponíveis em seu site.
Referências
- Sarver DM. Ackerman MB. Dynamic smile visualization and quantification: part 1. Evolution of the concept and dynamic records for smile capture. Ajodo 2003;124:4-12.
- Sarver DM. Ackerman MB. Dynamic smile visualization and quantification: part 2. Smile analysis and treatment strategies. Ajodo 2003;124:116-27.
- Câmara A. Análise morfológica tridimensional do sorriso. Rev Clin Ortod Dental Press 2012;11(3):10-24.
- Melsen B. Adult Orthodontics. 1. ed. Londres: Wiley-Blackwell. 2012.
- Kokich VG. Otimizando a estética para o paciente interdisciplinar. In: Nanda R. Kapila S. Terapias Atuais em Ortodontia. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
- Nanda R. Burstone CJ. JCO Interviews Charles J Burstone, DDS, MS, Part 1: Facial Esthetics. JCO 2007; 41(2):79-87.
- Naini FB. Estética Facial, conceitos e diagnóstico. Londres: Wiley-Blackwell. 2011.
Cirurgião-dentista, especialista em ortodontia pela ABO-GO com 10 anos de experiência. Mestre e doutorando em ciências da saúde pela UFG. Professor nas universidades Fasam e Integra, membro da diretoria da Associação Brasileira de Ortodontia (ABOR-GO). Credenciado no sistema Invisalign e apaixonado por ensino, música e tecnologia. Artigos publicados neste blog, sites e revistas científicas.