Cuidado com opiniões e relatos de caso

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Continuando nossa última postagem sobre os tipos de estudos que você encontrará na ortodontia, hoje vamos falar sobre dois tipos de artigos científicos que são muito populares na nossa área mas que devemos ter muito cuidado com eles, pois nem sempre nos dão as melhores respostas para nossas perguntas: Opiniões de especialista e relato de casos.

Subindo na pirâmide de evidência

Relatos de caso e opiniões de especialistas (ou expert) são artigos que atraem muito a atenção dos colegas. São geralmente fáceis de serem lidos, com muitas imagens interessantes e poucos números, dados estatísticos, tabelas e gráficos; aquelas coisas que ninguém gosta muito de ler.

Mas eles podem ser um risco para o leitor desavisado, pois nem sempre são as melhores respostas para nossas perguntas. Algumas vezes, são na verdade bem enganosos (se quiser saber sobre pesquisas in vitro, leia aqui).

Pirâmide de evidência

Opinião de especialista

O mundo de beakman

Opinião de especialista ou expert vêm na forma de editoriais, artigos mais curtos, ou cartas. São geralmente mais fáceis de ler e bem interessantes. São pessoas que têm algum tipo de conhecimento específico em alguma área e são bons pontos de partida se você está tentando entender um que ainda não tem domínio.

A vantagem é que tem uma linguagem geralmente mais simples, com menos dados matemáticos que você precisa digerir. Tem algum grau de confiança, pois conta com a experiência clínica de alguém que geralmente teve mais vivência do que nós.

Por que está tão baixa na pirâmide de evidência?

Muita gente foi contra a implementação da Medicina (ou odontologia, ou ortodontia) Baseada em Evidências. Para alguns era um monte de números e tabelas que tiravam o lado humano da prática na área de saúde. Apesar de parecer que é uma coisa extremamente acadêmica e distante da realidade clínica, é na verdade uma maneira de pensar que foi feita justamente pra a aplicação clínica. Também não quer dizer que você vai ler e aceitar qualquer dado que estiver em uma tabela, aplicando isso indiscriminadamente aos seus pacientes.

É na verdade ler os artigos certos, avaliando-os criticamente em busca de uma solução. É aprender a responder suas próprias dúvidas por conta própria.

Estudos mostram que a decisão clínica na área de saúde está raramente ligada a alguma evidência sólida. Fazemos as coisas sem saber exatamente o motivo. Ao se basear somente na opinião de um especialista, você está deixando de lado o pensamento crítico e aceitando que pensem por você.

De acordo com Trisha Greehalgh, autora de um excelente livro sobre medicina baseada em evidência:

“Quem disse que o conselho dado por um grupo de regras, um editorial ou uma “visão geral do assunto” estão corretos?

Estudos mostram que experts em uma área estão menos sujeitos a prover uma revisão objetiva e fiel sobre um tema específico do que um não-expert que aborda a literatura com uma visão não enviesada (sem tendências).”

Relatos de caso e séries de caso

Relato de caso ortodontia

Uma leitura fácil e mais interessante do que um artigo cheio de números e tabelas, todo mundo gosta de um relato de caso. Eu acho que são fundamentais para a ortodontia, que se aproxima mais da cirurgia do que da clínica médica, pela natureza braçal da nossa especialidade.

Precisamos realizar procedimentos manuais. Precisamos de guias para nos mostrar técnicas. Precisamos ver como as técnicas são executadas antes de fazermos o mesmo em nosso paciente.

Porém, relatos de caso são estudos feitos em um paciente apenas e tem sérias falhas metodológicas que você deve levar em conta:

  • Têm alto risco de viés: por serem sempre retrospectivos (a observação de um procedimento já realizado), relatos de caso tendem a mostrar somente técnicas que deram certo ou resultados bons (pacientes que respondem bem). O que nem sempre é o que acontece com seu paciente na vida real.
  • É difícil você ver um relato de caso que deu errado. São sempre bem sucedidos. Mas será que isso acontece com qualquer paciente?
  • Geralmente mostram um ou poucos pacientes. Isso torna impossível dizer se o resultado é repetível em seu paciente, ou pior ainda, se aquilo foi realmente sorte do ortodontista que realizou a técnica (sim, a sorte faz parte da ortodontia. Ou você sempre sabe qual paciente responde bem ou mal?).
  • Não há comparação com um grupo controle, então como saber se aquele resultado é mais ou menos eficaz que alguma técnica similar, ou até mesmo nenhum tratamento?

Quando você junta vários relatos de casos você tem uma série de casos. Que tem um pouco mais de confiabilidade, mas ainda assim, não muita.

Então devo deixar de ler estes artigos?

De maneira alguma!

Apenas tenha um olhar um pouco mais crítico sobre eles. Saiba que são artigos com baixo nível de evidência mas ainda assim, extremamente importantes para nós.

Relatos de casos mostram uma proximidade com técnicas e métodos que não vemos em artigos com maior rigor científico. Isso permite acompanhar o caso do início ao fim. Não podemos viver só de números.

Também mostram técnicas que jamais vão ver a luz do dia em estudos mais complexos e caros, como ensaios clínicos randomizados.

E sinceramente, precisamos sempre de tanto rigor para tudo que formos fazer? Um pouco de olhar crítico pode te ajudar a separar o que você pode utilizar e o que não pode.

Alguns exemplos de perguntas que não podem ser respondidas com relatos de casos:

  • A técnica A é melhor que a técnica B?
  • Tratamento em duas fases é melhor do que em uma fase?
  • Aparelho auto-ligado é mais rápido que convencional?
  • Extrações afetam o perfil?
  • Corticotomias aceleram o tratamento ortodôntico?

Todas estas perguntas requerem estudos mais complexos e com mais pacientes. Se um relato de caso tenta responder isso para você, tome cuidado! Você pode estar tirando conclusões em cima de um estudo que não foi feito para responder estas perguntas.

E isso é o melhor para seu paciente?


Referências

Greenhalgh T. How to read a paper: The basics of evidence based medicine. Londres: BMJ books 2 ed. 2001.

Pereira MG. Artigos Científicos, como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1 ed [reimp]. 2013.

Estrela C. Metodologia Científica.